terça-feira, 16 de outubro de 2007

Feliz Dia das Crianças

– Foi bom. Foi bom e foi ruim – concluiu o sujeito.

– Preciso de uma água – confessou o jovem.

Aquele sujeito do meu lado deu seu suspiro final. Seria o último da noite. Pairava no ar um clima de desconforto e revolta, mas não de uma indignação de quem tem seu direito transgredido. Era quase o deboche de quem teve seu orgulho ferido. A carapuça que acabara de servir. Na sala, personagens do longa-metragem não concordavam, saíam em disparada, fugindo daquela câmara de verdade. Nem a noite especialmente quente da Avenida Paulista aliviava o sufoco. Acabara de ser exibida a realidade crua de uma culpa que também recai sobre a nossa classe média com síndrome do pânico, complexo de inferioridade burguesa, habituada à cômoda posição de vítima. Para a garota da poltrona a minha frente aquilo era um disparate, um desaforo. O tiro final do longa-metragem foi a largada para os metros rasos que a separavam da saída.

Cada sessão de “Tropa de Elite” deve possuir sua história particular. Porém, em nenhuma delas faria sentido comer pipoca, tomar guaraná ou dar risada exposto àquilo que toma a tela. A burguesia consumiu. Comeu pipoca. Tomou guaraná. Gargalhou. Deixou lixo sem recolher. Também bebi meu guaraná, que de quente já não matava a sede. O filme conflita com seu público, alienado por opção, por vocação, com excelência.

O outro suspiro do sujeito ao lado surgiu do (capitão) Nascimento de Rafael. Entrelaçou os dedos e segurou firme a mão da esposa grávida de 8 meses. Será a estréia do primogênito. Ele vai precisar de um pai. Feliz Dia das Crianças.

***

O Dia de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, coincidiu com o Eid el Fitr, o fim do Ramadan – mês especial dentro da religião muçulmana. A tarde estava serena e quente em São Bernardo do Campo. A sensação de um clima seco e o sol iluminando a face oeste da torre da mesquita aludia a uma outra cultura, distante, enigmática, incompreendida. As ruas vazias, a brisa leve que soprava as folhas verdinhas de uma primavera recém-chegada e o silêncio solene possuíam o privilégio de fazer-me transportar, divagar, devagar.

Juma, moçambicano de 30 anos, queria por que queria me convencer de que a verdade está com o Islã. Foi um papo interessante. Com risos amigáveis nos momentos de discórdia.

O lustre de formato fragmentado, distorcido, estilhaçado embora incrivelmente belo, iluminou a curta sessão de oração. Elas são sempre breves. Tão breve quão breve foi minha sensação de distanciamento e imersão ao ter os ouvidos abertos ao seu chamado.

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