terça-feira, 21 de agosto de 2007

Roda Viva

Começo do avesso. Com o intuito de transmitir um pouco do que foi minha recente jornada européia, elejo como abre-alas justamente as palavras que a encerraram - o texto "Último Verso", logo em seguida. Não pra confundir, mas pra dar gosto. Acho que cabe. Talvez os posteriores textos sobre o Velho Continente respeitem uma seqüência cronológica, mas todo cuidado será pouco... Às vezes, eles parecem ter vida própria. Eu acato.

Último verso

(Paris, 19 de julho de 2007. Entre 17h30 e 19h)

Pronto! Ya está! C’est fini! Finito! Completo hoje 60 dias de viagem e chego finalmente ao término do meu périplo europeu. Fiz-me regalo destes minutos num café de Paris. De frente para a Place d’Italie, com um expresso à espera e um cigarro no bolso. Apenas aguardo ansiosamente meu vôo, que parte amanhã às 16h20 do Charles De Gaulle. Logo, menos de 24 horas me restam em solo europeu.

Solo este no qual quero em breve estar de volta. Não é apenas o glamour, as coisas que funcionam ou o fato de experimentar o primeiro mundo que me atrai. Gostei da maneira das pessoas, da forma de tratamento – europeus podem ser amáveis, porém, às vezes não hesitam em deixar escapar sua arrogância. Estive em lugares fantásticos, vi monumentos célebres e magníficos, conheci cantos por onde jamais pensara passar – como a curvinha de mais de 180º do circuito de Mônaco de Fórmula 1. No entanto, foi sobretudo o contato com outras culturas, línguas, paladares, que me fascinou.

Vi muitas pessoas esquisitas, presenciei cenas bizarras, tratei com verdadeiros personagens de anedotas. Embora parte integrante desta massificação (senão homogeneização) dos turistas, percebi uma espontaneidade possível, presente e... humpf! escapou-me o terceiro adjetivo no momento em que o garçom veio me cobrar o café. Tantas figuras diferentes, as quais não esperam apenas encontrar seu lugar, mas o criam. No fundo, somos todos iguais, apenas vivendo em intensidades distintas esta busca ingênua de nossa legitimidade.

Por vezes pude ver onde o solo é fértil para a construção do meu lugar. Este ainda não está pronto, e duvido que sequer um dia estará. No entanto, já a ação deliberada de partir ao seu encontro prenuncia seus alicerces.

A experiência me transformou, no sentido de estar mais receptivo e aberto ao todo, e ao mesmo tempo mais seguro de certas impressões. Pelo menos mais confiante de argumentar a favor delas, embora elas balancem. E, certamente, hão de transformar-se. Os questionamentos nascentes farão mover esta personalidade como todas única, a qual mostrará sua pretensão de influenciar o meio próximo.

Hoje aqui, sentado sob a relva úmida da Place d’Italie, no 13º arrondissement de Paris, não dou cabo somente à jornada européia. Encerro, na verdade, um ciclo que começou naquele 27 de agosto de 2006. Onze meses longe de casa. Sei lá se sou agora o mesmo que partiu de terras canarinhas. Levarei de volta comigo um antigo Daniel embrulhado pra presente, lembrança a ser posta numa estante, sem ser aberto. Enfeite. Para ser visto de vez em quando, como um bom souvenir, mas também para dar a força de seguir em frente buscando coisas novas, mudando de rumo quando convir.

Não me arrependo de nada do que passei, do que passou. O fato novo estará em preservar a suposta mudança, a fim de que esta seja a força motriz de outras tantas.

Intercâmbio cultural. Domínio de uma nova língua (francês). Sensível avanço numa outra (espanhol). Progresso acadêmico. Despertar deste interesse por política internacional. Convivência diária com pessoas tão distintas. Portas que se abrirão daqui pra frente. Um Amor à tiracolo. Planos que já fermentam nesta cabeça apaixonada e neste coração inquieto.